Janela da alma: enxergando pessoas além dos rótulos
Enxergar pessoas além dos rótulos: uma prática de facilitação que convida à vulnerabilidade e questiona as relações do mundo corporativo.
Recentemente, ministrando um módulo do Bootcamp de gestão do IMGP, fiz uma dinâmica de abertura com a turma que se revelou um poderoso experimento social.
Estávamos em um pátio externo muito agradável, com diversas árvores e pássaros cantando ao fundo. O convite era simples: as pessoas deveriam caminhar livremente pelo espaço, percebendo o contexto ao redor e umas às outras. Em determinado momento, pedi que parassem diante de uma dupla e permanecessem ali por um tempo, apenas se enxergando, olho no olho, em silêncio, por um minuto.
Aqueles 60 segundos pareceram uma eternidade. Para algumas pessoas, foi um incômodo evidente: riam, faziam piadas (mesmo com o convite ao silêncio) e demonstravam, por meio de movimentos corporais, o desejo de interromper o exercício. Outras, arrisco dizer que a maioria, sustentou o desconforto em silêncio, recorrendo a piscadas frequentes e desvios súbitos de olhar, como espasmos voluntários fugazes — tudo para evitar o encontro profundo com a pessoa à sua frente. Uma minoria abraçou o exercício e olhou-se profundamente, entre semblantes ora serenos, ora mais concentrados, durante aquele eterno minuto.
Esse tipo de dinâmica é muito comum em processos de facilitação, especialmente entre grupos não corporativos, comunidades intencionais ou de aprendizagem. Eu mesmo vivenciei esse exercício em 2024, durante o Training of Trainers do Gaia Education, uma formação voltada para facilitadores. Tal interação me permitiu estabelecer conexões profundas com pessoas desconhecidas, gerando relações que transcenderam o curso. Veja só a potência disso.
Agora, quando trazemos a mesma dinâmica para o contexto corporativo, o cenário muda. Vale ressaltar que o Bootcamp do IMGP é um curso de gestão sem precedentes, supercompleto e dinâmico, voltado para profissionais de marketing, comunicação e publicidade.
Nesse caso, diferente de uma comunidade intencional, as pessoas ainda estão revestidas pelos rótulos de cargo, tempo de mercado e empresas que representam. Ou seja, o ”crachá invisível” carrega um peso reputacional enorme, transportado para as relações do grupo, principalmente em uma formação voltada ao aperfeiçoamento profissional.
Por isso foi tão difícil sustentar o olho no olho, com poucos conseguindo se entregar ao convite de enxergar profundamente a um desconhecido à sua frente.
Alguns feedbacks após a breve vivência foram valiosíssimos. Houve relatos, receosos ou entusiasmados, de que ❝quando você olha no fundo do olho do outro, parece que enxerga a sua alma❞. Outras pessoas disseram: ❝Ao enxergar o outro, eu vejo um espelho de mim mesma❞. Lindo, né?
Esse breve experimento revela como é difícil nos livrarmos das máscaras reputacionais e da superficialidade, para enxergarmos as relações genuínas, ainda que por alguns instantes. E quão bonito é quando isso acontece. Uma verdadeira potência transformadora.
E você? Já percebeu, de fato, quem está à sua volta, além do papel profissional ou das conversas habituais? Você já olhou profundamente nos olhos dessa pessoa, em silêncio, ou a escutou abertamente a respeito de seus pensamentos e ideias?
Fica aqui o convite.
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Em tempo, o título deste artigo — Janela da Alma — foi inspirado no documentário brasileiro dirigido por João Jardim e Walter Carvalho. Lançado em 2001, a obra filme reúne depoimentos inspiradores de nomes como o escritor José Saramago (Prêmio Nobel de Literatura), o cineasta Wim Wenders e o músico Hermeto Pascoal, entre outros artistas e pensadores que refletem sobre como vemos — e somos vistos — no mundo. Assista o filme na íntegra, clique aqui.