GP: saiba como adaptar sua gestão organizacional para atrair, reter e desenvolver líderes mais humanos
Em minha jornada no mundo de startups, entre os pólos tecnológicos de Florianópolis e San Francisco, percebo um desafio em comum a todos os fundadores de empresas de rápido crescimento: gestão de pessoas. A máxima das startups é crescer rápido em receita, ganhar mercado, lançar soluções que resolvam problemas reais — e lançar antes que outro o faça. Mas o segredo das melhores startups é adquirir e manter talentos. Boas pessoas, bom desempenho, boa empresa. Excelentes pessoas, excelente desempenho e excelente empresa. Simples assim.
Então, a pergunta é: como ser um líder capaz de atrair os melhores talentos? E como mantê-los? É um misto entre dois pontos:
- A cultura da empresa: vou compartilhar logo a seguir alguns aprendizados que tive na minha jornada à frente da Contentools;
- O desenvolvimento contínuo das lideranças: sobre esse aspecto, há algumas estruturas muito práticas que aprendi no Vale do Silício e são capazes de ajudar a gestão, que vou incluir na parte final deste artigo.
Vamos lá?
Sonho grande, missão e valores
Já nas primeiras fases da Contentools, quando ainda tínhamos no mercado a primeira versão do nosso produto (nosso Minimum Viable Product, ou MVP), reunimos o time para definir nossa visão, aonde queríamos chegar — o nosso Sonho Grande. Agora no final de 2017 já com produto no mercado global e atendendo mais de 1.000 times de marketing, refizemos esse exercício. Incluímos dinâmicas em que visualizamos o mundo daqui a 20 anos e como estará a Contentools quando essa data chegar. O resultado vai muito além do alinhamento do time que atua conosco hoje. É um verdadeiro guia que permite antecipar o resultado da nossa jornada: o impacto que queremos trazer para o mundo.
Com isso, o time de operações (que cuida de recrutamento e seleção) já consegue fazer uma primeira análise dos candidatos a novas vagas para saber se eles irão corresponder ao desafio. Esse guia também ajuda nosso time de produto a priorizar novas funcionalidades. Junto a pedidos de clientes e movimentos do mercado, podemos nos perguntar: esse lançamento irá nos deixar mais próximos do nosso Sonho Grande? Se a resposta for sim, ele pode ser priorizado. Se for não, não investiremos tempo nesse desenvolvimento.
A missão é importante para que consigamos identificar o porquê de estarmos juntos nessa jornada e saber que todo o esforço valerá a pena. Por isso, acaba sendo essencial que esse exercício de definição seja determinado em conjunto, por um grande grupo que colete dados de todos os departamentos e represente toda a empresa. É uma ferramenta que gera propósito e engajamento no dia a dia.
Outra ferramenta fundamental é o reconhecimento dos valores culturais que identificam a empresa e as pessoas que a compõem. O que temos em comum? Como vemos o mundo? Como agimos? Queremos atrair pessoas que pensam e agem de que forma? As respostas a essas perguntas moldam o comportamento, as ações e têm impacto profundo no clima organizacional. No caso da Contentools, nossos valores são a linha de corte de qualquer processo seletivo — e os itens percebidos nas avaliações também, com impacto em promoções e demissões, como vou explicar no item Ritual de Reconhecimento.
Rituais de gestão para líderes digitais
Realizamos práticas semanais, mensais e trimestrais que conferem ritmo à gestão da empresa. As principais são nossos rituais de Alinhamento, Reconhecimento e Desenvolvimento. Vou aprofundar um pouquinho sobre casa um deles:
1. Ritual de Alinhamento
Esse é o ritual de criação e reset de metas para a organização, que são desdobradas de maneira flexível para todos os membros do time. Na Contentools, utilizamos a metodologia de OKRs (Objective and Key-Results) para isso. Essa metodologia teve início na Intel e ficou mais conhecida quando foi implantada na Google. Na época, a gigante da tecnologia tinha apenas 20 pessoas.
Começamos a usar OKRs quando o time da Contentools tinha 15 pessoas. Um dos desafios foi acompanhar o cumprimento dos objetivos no dia a dia. Mas superar esse desafio desde o início era indispensável. Afinal, pouco adianta estabelecer grandes objetivos se você só medir cada um deles quando o trimestre estiver terminando. Para garantir o atingimento desses objetivos e corrigir a rota em tempo, é necessário que acompanhamento minucioso. Os líderes das áreas precisam prestar papel fundamental nesse acompanhamento: são eles que auxiliam os times em seus desafios semanais para que as metas trimestrais sejam atingidas.
Até hoje a Google utiliza OKRs para estabelecer e acompanhar cumprimento de metas. Na Contentools, a cada trimestre o time se reúne para estabelecer as metas para aquele período e os resultados de acompanhamento – que indicam que, após três meses, o resultado foi atingido. Esses objetivos são esmiuçados dentro de cada área da empresa e todos os membros do time criam seus OKRs pessoais para contribuir com suas respectivas áreas. Isso faz com que todos tenham clareza sobre seu impacto no crescimento da empresa.
2. Ritual de Reconhecimento
Na Contentools, cada membro do time é avaliado de acordo com critérios de:
- Entrega: quanto dos OKRs estabelecidos a pessoa de fato cumpre;
- Potencial: se os avanços pessoais estão alinhados com os objetivos da empresa e quanto dos feedbacks 360 a pessoa coloca em prática e usa para evoluir; e
- Cultural fit: quanto dos valores da empresa a pessoa coloca em prática nas atitudes diárias.
Ao final da avaliação, o líder da área responde: “eu recontrataria essa pessoa hoje para meu time?”. Caso a resposta seja sim e o desempenho desse profissional seja fora da curva, ele está apto a receber um reconhecimento, na forma de melhoria de salário, promoção, homenagem ou prêmio. Caso a resposta seja não, encaminhamos para sessões de feedback com rápida expectativa de melhora. Caso a melhora não corresponda ao esperado, esse indivíduo pode acabar sendo desligado. Assim, ele tem a chance de encontrar uma colocação em uma empresa com a qual possa crescer e contribuir mais.
3. Ritual de Desenvolvimento
É um momento de troca estruturada de sugestões entre as pessoas de um mesmo time — com organização de formulário para sugestões para pessoas de outros times também. Com esse ritual, incentivamos que mais momentos de feedback ocorram no dia a dia.
Na Contentools, cada time passa pelo ritual de três em três meses e todos são incentivados a dar feedback para todos. A principal estrutura utilizada é “Quando você faz isso eu me sinto assim” (When you do this I feel that). Esse foi um framework que aprendemos a partir de workshops com especialistas de uma organização de formação de líderes e fundadores do Vale do Silício, uma organização chamada Inner Space. É um modelo que nos incentiva a compartilhar o que sentimos e pensamos a partir das atitudes do outro — um campo de visão que comumente fica restrito a nós mesmos. Ao ampliar esse campo, enxergando nossas atitudes a partir da visão dos profissionais que trabalham lado a lado conosco, aprendemos muito sobre as expectativas que geramos e formas com que podemos avançar para benefício de todo o time.
Líderes digitais em contínuo desenvolvimento
Independente de você ser um líder em empresa digital ou do mercado offline, precisará cada vez mais recrutar e manter talentos de uma nova geração. Uma geração que precisa continuamente se sentir engajada, desafiada e em constante aprendizado. Algumas ferramentas que estão em voga no Vale do Silício podem ajudá-lo nessa tarefa nada fácil. São elas: O Gráfico do Fluxo (FlowGraph) e a Candura Radical (Radical Candor).
#FlowGraph
Essa estrutura de manter o time em um fluxo ótimo de produtividade e engajamento é proposto por Cynthia Maxwell, que foi diretora de engenharia no Yahoo!, na Apple e mais recentemente no Slack. Ela aplicou essa metodologia de autoavaliação com engenheiros de software. Na Contentools, eu testei com pessoas da área de negócios e também funcionou perfeitamente. A ideia é que o cruzamento entre o tamanho do desafio que a pessoa tem diante de si versus as habilidades que ela tem para executar tais desafios precisam estar em equilíbrio.
Para colocar essa ideia em prática, peça a um membro do time que dê notas de 1 a 10 para o tamanho do desafio que ele tem diante de si para entregar o resultado esperado do trimestre. Em seguida, solicite que dê notas de novo de 1 a 10 para o quão preparado se sente para que tal entrega aconteça (em termos de formação, informação e preparo técnico no geral). Insira o cruzamento desses números no gráfico acima e perceba onde o “X” está. A zona almejada é a área do Flow. Desafios muito grandes e habilidades baixas resultam nas áreas de Dúvida ou mesmo de Ansiedade. Muita habilidade e baixo desafio resultam nas áreas de Nostalgia ou, no limite, Tédio. Se ambos estiverem baixos, é risco de Apatia, um veneno para a produtividade.
#RadicalCandor
A ideia da “candura radical” vem de uma estrutura proposta pela consultora Kim Scott, que liderou times de Vendas e Operações em empresas como Youtube e Google e lançou o best-seller Radical Candor. Segundo Kim, rotinas de feedback precisam ser sinceras. Mas qual o limite da sinceridade? É a medida em que o líder de fato se importa com a pessoa que está liderando a ponto de desafiá-la diretamente.
Ou seja, se você desafiar alguém do seu time diretamente para que ele ou ela melhore, é bom que você se importe de verdade. É nessa intenção que se encontra o Radical Candor – afinal, apenas desafiar sem se importar com a pessoa o tornará um líder agressivo. Nos demais quadrantes estão os líderes que não apresentam desafios. Estes são os manipuladores, quando não se importam, e os empáticos desastrosos, quando se importam, mas ainda assim não desafiam.
Portanto, em sua próxima sessão de feedback com o time lembre-se de oferecer sugestões que de fato desafiem a pessoa a se tornar um profissional melhor, mas faça isso realmente se importando com o sucesso dela e com a vida dela (não apenas com o resultado imediato).
O fato é…
Para fundar uma startup ou trabalhar em uma startup é preciso ser emocionalmente forte. Entregar resultados muito acima do mercado mês após mês e ano após ano coloca em cheque qualquer estrutura de liderança. Espero que essas informações ajudem o seu dia a dia no desenvolvimento de times de alta performance!