Networking e a importância da presencialidade na gestão de projetos
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Não me leve a mal. Pelo título, você pode até pensar que sou a favor da volta para os escritórios presenciais. Não tomarei partido, mas também não digo que essa é uma questão binária. Há casos e casos.
É sobre alguns desses casos que venho aqui compartilhar com a base de leitores do Instituto Mestre GP, direcionado para profissionais da gestão de projetos – que tem em seu conjunto de habilidades a atuação tática do ambiente.
Em um artigo de Stanford que acaba de sair do forno, reuniões de trabalho presenciais geram até 20% mais ideias e menos superficialidade das mesmas em comparação com virtuais [1]. Já que o hibridismo tem sido bastante debatido, vamos entender a teia de fatores que estão relacionados ao papel do GP nesse contexto.
Passando confiança
Veja, a pessoa gerente de projetos é um fio condutor que passa pelo caminho crítico de todos os projetos. Do início ao planejamento, execução e monitoramento, a figura está lá passando e se conectando com todas as áreas. O encerramento, inclusive, é a etapa do projeto que muitas vezes acaba deixada de lado, porém a pessoa GP está sempre lá fazendo questão de formalizar não somente sua conclusão, mas também retrospectivas com lições aprendidas, garantindo financeiramente o sucesso da empreitada e, se fizer sentido, até criar um bom case.
Percebam que por mais que as ações estejam no operacional, a preocupação está em uma dimensão acima: o profissional de GP nada entre diferentes camadas do oceano.
Com sua habilidade de navegar pelas complexidades das relações interpessoais e institucionais, o GP exerce um papel crucial na negociação de interesses, na resolução de conflitos e na promoção de um ambiente colaborativo. Essa capacidade de atuação política permeia o dia a dia do projeto, influenciando diretamente seu sucesso, além de eventualmente assumir manobras estratégicas em níveis superiores.
Quanto mais confiança o gerente de projetos transmite, mais fluida se torna a comunicação entre todas as áreas [2], e a liderança servidora é crucial neste contexto. Este estilo de liderança prioriza as necessidades da equipe e do projeto, deixando de lado mecanismos de controle desnecessários para focar nas soluções essenciais.
Ao adotar esta postura, o GP promove um ambiente de trabalho altamente engajado, fundamentado em empatia, escuta ativa e suporte ao desenvolvimento tanto individual quanto coletivo. Além de facilitar a gestão do projeto, a liderança servidora contribui para o networking, estimulando vínculos de confiança e respeito que transcendem as fronteiras do projeto atual e se estendem a um senso de comunidade – aspecto crucial da evolução social [3].
O fator “presença física”
A presencialidade, quando possível e produtiva, desempenha um papel significativo na construção e manutenção de redes de contato – networking. Embora a tecnologia tenha nos proporcionado ferramentas incríveis para a comunicação à distância, a interação face a face tem um valor inestimável para o estabelecimento de conexões mais profundas e significativas, conforme uma pesquisa da Forbes feita com executivos [4].
Isso não significa a defesa de uma volta incondicional aos escritórios, mas sim a valorização de momentos presenciais estratégicos, que podem fortalecer laços, fomentar a criatividade e a inovação, e facilitar a resolução de conflitos. Encontros cara-a-cara permitem comunicação ainda mais clara e empática, o que é vital para resolução de conflitos de forma efetiva. Líderes fazem uma leitura mais próxima do real e podem endereçar desacordos em prol de uma cultura positiva, como ressalta esta publicação da revista Harvard DCE [5].
A resistência quanto à presencialidade aumentou. Talvez tenhamos nos tornado um pouco mais introspectivos com a pandemia. Muitas pessoas entenderam que é possível executar um trabalho de alta qualidade técnica por meio do remoto. Porém, quando parte do time está se encontrando presencialmente, você, de certa forma, acaba perdendo um pouco da dimensão física. Reparem: não estou pincelando o FOMO (Fear of missing out), mas sim trazendo a visão objetiva de que ambientes físicos acrescentam uma dimensão a mais que a tela não captura.
O lado político da coisa
Sim, esse é um atributo muito relevante que acaba perdendo espaço por conta do ambiente remoto. Já falamos sobre o componente que o físico incorpora, e se faz visível, se mostrar presente no dia a dia ou em momentos recorrentes, quando possível, ajuda a trabalhar nossa persona profissional. É inegável que a tridimensionalidade transmite confiança [6]. E também há organizações e organizações e há escolhas relacionadas ao estilo de vida que pesam nesse quesito.
Palpite: as chances de uma diretora executiva se lembrar de 10 minutos de conversa que teve contigo aumentam se a conversa rolar presencialmente, olho no olho? Eu diria que sim. Por uma tela, você será só mais uma na sequência interminável de reuniões que ela terá que entrar no dia.
E não falemos apenas de lideranças… há maior aprofundamento das relações no mundo físico mesmo. O remoto acaba sem pistas não-verbais e interações cara-a-cara, além de que sentar-se perto de uma pessoa inspiradora é contar com doses únicas de insights profissionais e, se você observar bem, pessoais. A equação é interessante.
A imagem que você transmite aos outros em um ambiente profissional também pode contar com alguns insights, do vestuário e postura até mesmo trejeitos. O corpo fala e as mensagens são recebidas mesmo que o receptor não seja expert em linguagem corporal.
Equilíbrio entre os extremos
É praticamente uma arte promover equilíbrio entre ambientes quase opostos. O papel da gestão de projetos pode inclusive interceder estrategicamente para estimular os caminhos pelo qual o equilíbrio condizente pode ajudar a trazer resultados eficazes.
Cada atividade exige formas diferentes de engajamento. Sessões de brainstorming e atividades de team building podem acontecer no virtual, porém o contato visual e a presença física trazem outro nível de impacto e energia para as dinâmicas. Por outro lado, atualizações de status, revisão de documentos e pré-requisitos podem ser feitas com eficiência online. Levar em conta a localização dos times também faz diferença.
Livre para pensar e trazer insights sobre a questão, é válido encorajar feedback sobre o que pode ser melhorado e adaptado quanto ao modelo. É possível aproveitar bem as trocas e experiências considerando os benefícios do híbrido.
Cuidado com o desperdício
É preciso reconhecer, contudo, que a insistência em manter encontros presenciais para atividades que poderiam ser eficientemente realizadas de forma remota pode se tornar um desperdício de tempo e recursos. A sabedoria está em saber equilibrar os dois mundos, aproveitando o melhor que cada um tem a oferecer.
O GP, com sua visão estratégica e capacidade de adaptação, é peça-chave nesse processo de decisão, garantindo que a escolha pelo presencial ou pelo remoto sempre agregue valor ao projeto e à equipe. Tão importante quanto: horas mal-gastas fazem a organização pagar por horas desperdiçadas.
Tem acontecido isso? Provoque: some (ou estime) o custo por hora de cada profissional dedicado às reuniões não-produtivas e leve para quem paga a conta.
Se as reuniões precisarem muito acontecer, procure já se antecipar e repassar uma agenda clara, otimizar frequências e necessidades de atualizações síncronas, incluindo nas reuniões somente pessoas-chave, além de buscar ferramentas para tornar as reuniões mais eficientes [7]
Aceitar, compreender e acreditar nos motivos
É bem confortável estar em nosso escritório pessoal. Tudo está do jeito que queremos, como deixamos, já temos um plano rotineiro pronto para ser colocado em prática. É normal pensar em quebrar esse ciclo como um impacto, e é justo também entender os motivos por trás de uma certa presencialidade em ambientes corporativos.
Se a decisão já foi tomada, busque entender antes de se posicionar. Nossa posição é estratégica, e vale a pena questionar a incoerência estratégica em ser alocado para um ambiente presencial simplesmente “porque as regras são assim” e para que você passe o dia no escritório fazendo reuniões online com seu time que está em outra localidade. Há perda de eficiência produtiva em um ambiente de declarada falta de flexibilidade, além de desalinhamentos de comunicação.
O cenário dos sonhos dificilmente existirá, e poder escolher é notadamente um privilégio. Ainda assim, vale refletir e questionar com respeito o porquê de as regras serem como elas são. Acordos explícitos bem fundamentados valem mais do que políticas de presença obrigatória.
Moral da história
O papel do gerente de projetos vai muito além da gestão tática e operacional. A pessoa na posição é uma líder servidora, uma habilidosa política e uma construtora de redes que, através de suas ações e decisões, pode impactar significativamente tanto o sucesso do projeto quanto o desenvolvimento da equipe. Quando bem aplicada, a presencialidade é uma ferramenta poderosa no repertório do gerente de projetos que deve ser utilizada com discernimento, visando o equilíbrio entre eficiência, bem-estar da equipe e fortalecimento do networking.
À medida que avaliamos proativamente as políticas de trabalho, é crucial ponderar como os momentos presenciais podem ser estrategicamente integrados para maximizar engajamento e produtividade. Reuniões presenciais podem ser particularmente benéficas em cenários de trabalho estratégico, onde grupos maiores necessitam de foco e coesão. Estes encontros permitem aspectos intrínsecos à presencialidade que são essenciais para a construção de relacionamentos.
A oportunidade é de reflexão sobre como a presencialidade pode ser melhor incorporada em suas rotinas, não apenas para atender às demandas operacionais, mas para ir além e enriquecer conexões entre membros da equipe. O desafio pode ser transformado em oportunidade.
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[1] “Virtual Communication Curbs Creative Idea Generation”, artigo da Stanford Graduate School of Business.
[2] Um estudo realizado com estudantes da Universidade de Hong Kong mostrou que o ensino presencial permitiu melhores resultados em avaliações comparado ao ensino online síncrono. Este resultado sugere que a interação direta pode facilitar uma compreensão mais profunda e reduzir mal-entendidos em ambientes educacionais, o que pode ser extrapolado para ambientes corporativos onde a clareza e a compreensão são ainda mais críticas (Frontiers).
[3] Especialistas em ecologia humana, E.O. Wilson e Julian Steward destacam como comportamentos sociais são respostas adaptativas aos ambientes sociais. Wilson em particular vê a sociabilidade como uma característica evolutiva fundamental para a sobrevivência e sucesso das espécies, incluindo os humanos.
[4] 84% dos executivos consultados preferem reuniões de negócio presenciais ao invés de mediadas por tecnologias, conforme estudo da Forbes.
[5] “Preventing and managing team conflict”, publicação da Harvard DCE
[6] “Benefits of in-person meetings”, artigo da WeWork.
[7] “Unproductive Meeting Statistics”, portal da ferramenta de IA Fellow.app.